Parece que só passamos a apreciar
a liberdade quando por algum motivo, de alguma forma, nos sentimos privados
dela. Aliás, apenas a consciência que se percebeu cativa, impedida,
encarcerada, por algo ou alguém, é que almeja intensamente por enfim, sentir-se
livre.
Creio que a ideia do cárcere
amedronta e apavora todos os seres, humanos ou não? Desde o pássaro que um dia
foi livre, mas caiu na armadilha, e chora com seu canto, dentro da gaiola. Já
perceberam como é tristonho o olhar dos animais que habitam em jardins
zoológicos? E esse mesmo canto incompreensível de lamento, esse olhar
tristonho, que encontramos todos os dias, em todos os lugares, muitas vezes
diante do nosso espelho.
Não é preciso estar encarcerado
numa prisão para sentir-se preso. Possuímos cadeias invisíveis aos olhos, porém
igualmente intransponíveis. Afinal, que liberdade possui alguém que depende de
algum tipo de entrave para conseguir sorrir?
E o que dizer dos alcoólicos, dos
viciados em pornografia, dos que roubam, e dos que matam, dos que violam ou dos
que batem em mulheres? Ou mesmo daqueles que vivem esmagados pelo peso da culpa
pela prática homossexual? Seriam realmente livres, aqueles que tendo que
subornar outros, obtêm vantagens? Seriam realmente livres quem, vaidosamente,
existe para corresponder aos padrões estéticos que os mídia convencionou chamar
de “belo” ou “normal”?
Seriam livres aqueles que mesmo em meio a uma
multidão, sentem-se solitariamente reclusos em si mesmo, não tendo com quem
compartilhar as suas dores, alegrias, derrotas ou desafios?
Será a religião capaz de produzir
indivíduos livres? Quando olho em minha volta, ou quando observo a minha
própria vida, forçosamente respondo que não. A religião, decididamente, não faz
indivíduos livres. Pode, no máximo, nos tornar pessoas “aceitáveis” dentro da
ótica de gueto cultural e comportamental bem característicos dos clubinhos
religiosos, e mais especificamente refiro-me aos católicos apostolicísticos
romanos, (aos qual pertenço, e conheço bem!).
Aderimos a uma visão corporativa e marketisada
passamos a utilizar uma estrutura do tipo “igreja-empresa”, para não só
conquistar o “cliente”, mas também torná-lo fiel.
Em muitos templos e denominações,
a bênção já não é obtida como um favor gracioso de Deus, mas sim como o
resultado produzido pela obediência irrestrita às estratégias, dogmas, e
práticas ensinadas pelos seus líderes. A religião vicia, e conduz a uma
intermediação por ela oferecida, que lhe garante um privilegiada e confortável
situação de proximidade ao Deus por ela oferecido.
Mas, e quanto a Jesus? Esse sim é
ao mesmo tempo livre e libertador. Podemos observar na leitura
dos Evangelhos seu ânimo absolutamente livre, fazendo escolhas e quebrando
paradigmas a todo instante, rompendo com tradições humanas inúteis ou
mal-compreendidas, tratando com dignidade, amor e especial zelo, os indivíduos
marginalizados do seu tempo.
Escolheu pescadores, mulheres,
cobradores de impostos, para serem seus discípulos, tocou, ergueu, curou,
alimentou, libertou consciências, conforme profetizado por Isaias e até
reafirmado por Ele mesmo em Lc 4.19-30. A ninguém ele, de alguma forma
aprisionou... Ensinou de forma prática o significado do verbo amar, e mais,
disse que os seus seguidores seriam conhecidos por essa mesma característica: o
Amor.
Jesus não trouxe uma nova
religião, mas sim uma nova ética para a humanidade, propôs uma mudança a partir
de cada indivíduo, mudança esta, e valores estes, que ele chamou de Reino
de Deus !
Mas qual é a liberdade que Jesus
prometeu? Liberdade, em Jesus, é poder realizar de facto escolhas, livre de
vícios, imposições, inclinações patológicas, é não ter que ser o que os outros
nos impõem que sejamos, mas sim que nós podemos tornar o melhor de nós mesmos.
Que potencialize nossas virtudes,
que sejamos capazes de nos surpreender com o poder da bondade e da misericórdia
aplicados ao nosso próximo.
Em Cristo, a liberdade é um
convite para que nós, em parceria com Deus, possamos reescrever a nossa
história, melhorando a nossa vida e também a daqueles que estão ao nosso redor.
E no final dos nossos dias, ao
olharmos no espelho da nossa consciência, veremos o quão parecidos com Ele nos
tornamos, pois, será que à semelhança de Jesus, teremos aprendido o real
sentido de ser livres?
M | Ribeiro Henriques
“Há ideias e factos, que são portadores de futuro”
|Coimbra, 10/03/2012|