“(…) Os pais que
desejem revelar a sua homossexualidade aos filhos devem fazê-lo sem dogmas,
aconselha um psicólogo, que acredita ser mais difícil saber que um dos pais é
homossexual do que viver com dois pais ou duas mães.
Psicólogo,
terapeuta familiar e especialista em questões de género, Pedro Frazão não tem
dúvidas em afirmar que cada vez mais vão surgir casos de pais que revelam a sua
homossexualidade aos filhos.
“A
homossexualidade sempre existiu. É importante que as pessoas percebam que não
se trata de uma invenção da modernidade e estas são situações que vão acontecer
mais porque há uma abertura muito maior do ponto de vista social em Portugal,
sobretudo nos últimos 20 anos”, explicou Pedro Frazão numa entrevista
à agência Lusa.
Maria (nome
fictício) foi casada durante vários anos e teve uma menina e um rapaz desse
relacionamento. Ainda estava casada quando teve “uma relação muito próxima com
uma colega de trabalho” e se questionou, pela primeira vez, sobre a sua
orientação sexual.
Garante que não
foi isso que ditou o fim do seu casamento e que a relação terminou por si
própria. Quando se divorciou a filha tinha quatro anos e o filho dez e a
primeira relação homossexual aconteceu cerca de um ano depois. “No início tive
bastante medo e chegou a passar-me pela cabeça que os meus filhos quando
soubessem iam contar ao pai e ele iria querer ficar com eles porque acharia que
os filhos não deveriam ter uma mãe homossexual. Também me passou pela cabeça
esconder a relação até eles serem maiores, mas isso era um longo caminho.
Depois fui-me acalmando”, contou Maria à Lusa.
Até aos 28 anos,
Paulo (nome fictício) nunca assumiu que era homossexual, apesar de sempre ter
sabido que essa era a sua orientação sexual. Viveu com uma namorada durante
cinco ou seis anos, têm uma filha e é quando a relação acaba – “mais por ela” –
que Paulo ganhou coragem para se assumir. A ex-companheira acompanha a “saída
do armário” e apoia-o. Depois chegou a altura de contar à filha que alguns dos
amigos do pai não eram só amigos e que às vezes também eram namorados. “A
escola primária não era uma boa altura porque ela depois poderia confidenciar
aos colegas e estes gozarem com ela”, explicou Paulo. A revelação acabou por
acontecer durante as férias de Verão, o ano passado.
“Já não sei como é
que veio a conversa, mas já lhe tinha dito que tinha uma coisa especial para
lhe contar e logo na primeira noite fomos fazer uma caminhada na praia e
contei-lhe fazendo uma comparação com alguma coisa que ela percebesse”, contou.
A comparação meteu ervilhas pelo meio. Paulo admite que não terá sido “das
comparações mais felizes”, mas olhando para trás tem consciência que não há
fórmulas ideais. “Disse-lhe que se calhar não gostamos muito de ervilhas, por
exemplo. Comemos uma vez, uma segunda e vamos comendo até que às tantas já não
conseguimos comer mais ervilhas e relacionei isso com o que se passou comigo”,
adiantou Paulo.
Maria optou por
não falar com os dois filhos ao mesmo tempo. Na altura, a filha ia entrar para
a escola primária e entendeu que era ainda muito pequena para compreender.
“Resolvi falar com o meu filho mais velho e disse-lhe: Aquela amiga da mãe de
quem tu tanto gostas e que achaste bem vir viver connosco, não é só amiga e
tenho um sentimento por ela que é mais do que amizade, é como eu senti pelo teu
pai na altura em que casei e tu e a tua irmã nasceram. Neste momento ela é
minha namorada”, contou.
O psicólogo Pedro
Frazão aconselha aos pais a terem uma atitude de abertura, “sem grandes
dogmas”, na altura de contarem aos filhos que a sua orientação sexual é
diferente daquela que eles pensavam e lembra que “são as bases da relação
daquelas pessoas, que já existia anteriormente, que determinam como é que as
coisas vão correr”.
“Deve-se adaptar a
linguagem consoante a idade das pessoas porque é diferente contar a uma criança
ou contar a um adulto ou a um adolescente”, explicou, acrescentando que as
reacções podem ser as mais diversas. Para a filha de Paulo, por exemplo, a
revelação resultou num misto de surpresa: primeiro de choque e depois num “bombardeamento”
de todo o tipo de perguntas.
O filho mais velho
de Maria disse imediatamente à mãe que desde que ela estivesse feliz, ele
também estava, enquanto a irmã disse que não gostava de ser a única criança com
duas mães.
Pedro Frazão
lembrou que os pais têm de ter a noção que da mesma maneira que eles demoraram
muitos anos até lidarem com a sua orientação sexual e assumirem para si essa
realidade, “as pessoas a quem contam também vão precisar de tempo para absorver
a nova informação e começar a ver essa nova realidade”.
Na opinião do
psicólogo, é mais difícil para alguém que durante toda a vida conheceu os pais
como heterossexuais ter de reformular essa informação do que uma criança que
tem dois pais ou duas mães e que desde sempre conheceu aquele modelo.
“À semelhança da
pessoa que revela a sua orientação sexual, estas pessoas têm que lidar com a
ideia de terem um pai que é gay ou uma mãe que é lésbica e de terem de escolher
se vivem isso de uma forma silenciosa ou se partilham isso com as pessoas que
conhecem”, sublinhou.
Acrescentou que
esta é uma informação que obriga a uma reformulação da imagem que se tem dos
pais, mas que não é muito diferente de um filho achar que os pais têm um
casamento feliz e depois perceber que isso não era verdade.
“Aqui é o mesmo,
só que a questão é muito mais estigmatizada”, considerou. Maria e Paulo não se
arrependem de ter contado e garantem ter uma relação de maior abertura e de
cumplicidade com os respetivos filhos. Agora, o medo é outro, que os filhos se
venham a magoar por causa da orientação sexual dos pais (…)”.
in:
M | Ribeiro Henriques
“Há ideias e factos, que são portadores de futuro”
|Coimbra, 05/04/2012|